Milagres da vida e do mate - Conto

| sábado, 28 de maio de 2011

O outono já se fora e o inverno cruzou ligeiro, mas não chegara ainda ao seu fim, num piscar daqueles dois olhos calados, os meses cruzaram a galope, já se via flores pelo campo e o perfume dos brincos de princesa se mesclava com o cheiro da fumaça dos fogões. ‘Ainda ontem o sol ardia’, pensou consigo, ainda ontem cevava um mate de achego, quando Rosa chegou, Rosa Maria, a estrela mais alta que ilumina as noites e enternece a lida dura dos dias. Lembrou do sorriso doce da amada naquela tarde, contando as luas, lhe alcançando a cuia de mate e trazendo no ventre outra vida pra enfeitar o catre.
Uma lágrima solitária rolou pelo rosto naquela tarde e um sorriso se ergueu, sem alardes, tornando um sonho em realidade e fazendo mais vivo aquele dia de verão. A novidade era de festa, um piá, ou outra Rosa, outra flor, um espinho de alma pura, ou a doçura de uma menina, pra Rosa Maria cobrir de carinho e de amor.
Correu léguas de distancia, o seu pensamento de peão, de contar as boas novas, pro velho pai, pro padrinho, pra mãe velha e pro patrão. ‘Se homem vai ser doutor, se menina, professora, mas há de vir com saúde, receber bastante estudo, pra não sair feito o pai, nessa lida dura e rude’.
Relembrou cada segundo, cada palavra dita e sentida naquela tarde quente e agora cevava outro mate pra saborear depois da lida com olhar estendido nas magias do sol poente. Tomou um mate e mais outro, sem ver a tarde passar e a noite cair em silêncio, silêncio que se entrecortava com o canto largo dos grilos e o desenho no firmamento de um raio cortando o céu e a calmaria clareando a noite. Lembrou daquilo que um dia alguém mais velho ensinou, que nas mudanças de fase, entre a crescente e a cheia a lua guarda surpresas pra quem lhe guarda respeito. De certo a chuva que vinha, ia trazer alegrias pra lua mirar das alturas estendida no seu leito.
Buscou no pasto o melhor baio que andava pelos campos pisoteando margaridas, cavalo bom de parelha e companheiro das lidas, trouxe pra perto das casas, para alguma necessidade. Ali junto ao cinamomo, aguardava o companheiro, com um ar de liberdade, na mesma feliz espera, sem fazer caso da noite, dos raios e da presilha.
Com a cuia e os pensamentos cheios de um verde-esperança, os grilos cantando ao longe e o baio mirando o pasto, viu Rosa sair na porta da frente, com o brilho das estrelas incontido num sorriso e a mão pousada no ventre. Não foi preciso palavras, o silencio soube expressar o momento tão sonhado, o sinal tão esperado se fez entender com um olhar.
Saltou no lombo do baio, que se largou num galope, cortando estradas e campos, se benzeu, rezou ao santo, sempre num mesmo trote. Nem fez caso das trovoadas, percorreu a noite grande, buscando um destino certo, a casa da velha parteira, madrinha de tantos, benzedeira e mãe de Rosa, sua amada. A estrela na testa do baio clareia o rumo da estrada e a chuva escorre sobre um poncho espanta garoa que abana ao vento e revoa no início da madrugada.
Por sorte, também a velha, sabia das coisas da vida, sabia contar as luas e aguardava pensativa pelo chamado que vinha... Nem bem ouviu o galope do baio cortando a noite e já se aviou num açoite, pra ir ao encontro da filha, aparar mais um tesouro, mais um milagre do mate, mais um milagre da vida.
A madrugada arrastou-se como jamais tinha feito, a espera, o aperto no peito, a alegria, a vontade e a esperança entre os mates, pegaram sua alma de jeito. O baio já estava solto, pra descansar da jornada, a chuva se fora aos poucos deixando a noite clara e enluarada e um homem mateava esperando num final de madrugada.
Quando os primeiros raios de sol romperam na madrugada, um choro se ouviu ao longe e um sorriso conteve a lágrima que insistia em rolar pelo rosto cansado, aflito e feliz. A cuia parou num banco pra esperar nascer o dia e aqueles olhos cansados, foram espiar calados, o milagre que nascia e que ainda choramingava aquecido pelos braços da amada Rosa Maria.
Na cuia, agora esquecida sobre um banco, cercada de flores do campo esperando a novidade de um sorriso de criança, revoa uma borboleta que aponta das açucenas que enfeitam as curvas da sanga e vem desde a lonjura pra pousar sua ternura, sobre seu verde-esperança.

Isidro

2 comentários:

{ Dulce Miller } at: 28 de maio de 2011 às 20:47 disse...

Teu conto mereceu ter sido escolhido, meu amigo. Li outra vez e fiquei com os olhos ardendo em lágrimas. Emocionante MESMO. Parabéns, escritor dos pampas!

{ Irene Moreira } at: 3 de junho de 2011 às 11:36 disse...

Já deixei meu comentário no post acima e no blog do Concurso. Um conto de tirar chapéu.

Beijos

 

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